I. A origem do termo
Etimologicamente, nepotismo
deriva do latim nepos, nepotis, significando, respectivamente, neto, sobrinho.
Nepos também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser igualmente
utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso. (1)
A divulgação do vocábulo (ao qual
foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em
muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito
conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando
por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou
a ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais
concessões aos seus familiares. (2)
O nepotismo, em alguns casos,
está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o
"benemérito" e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de
resguardar os interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta
de Napoleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria, que
abrangia a França, a Espanha e a Itália. Com isto, em muito diminuíam as
chances de uma possível traição, permitindo a subsistência do império
napoleônico. Em outras situações, o "benemérito" tão-somente
beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a
primazia de seus interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou
mesmo agradá-las. Como ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI,
que presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até com um marido (João de
Brosse), o que permitiu fosse elevada à nobreza.(3)
Nepotismo, em essência, significa
favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de
caráter conseguem manter incólume a dicotomia entre o público e o privado,
impedindo que sentimentos de ordem pessoal contaminem e desvirtuem a atividade
pública que se propuseram a desempenhar.
II. O nepotismo e os vícios que
enseja
O nepotismo, por vezes, é
institucionalizado, do que é exemplo o mau-vezo de se outorgar às primeiras
damas a atribuição de conduzir instituições sem fins lucrativos, não raro
dotadas de vultoso patrimônio e de incomensurável importância para determinadas
classes da população. Não seria esta uma modalidade de nepotismo ex vi legis? A
este questionamento respondemos com outros mais: as primeiras damas exercem a
representatividade popular? Qual é o fundamento de legitimidade de sua atuação?
São competentes ou possuem uma "competência reflexa" oriunda do Chefe
do Executivo? Certamente, qualquer resposta chegará a uma conclusão comum: não
fosse esta anômala situação inerente à "coisa pública", certamente
soaria como uma anedota acaso suscitada no âmbito da iniciativa privada.
Sob outra vertente, a preocupação
com o favorecimento há muito está sedimentada no direito positivo pátrio, do
que é exemplo a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da
Constituição da República, que alcança o cônjuge e os parentes, consangüíneos
ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Chefe do Executivo ou de quem o
tenha substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição.
Identificada a prática do
nepotismo, ter-se-á, de imediato, um indício de violação ao princípio da
impessoalidade (4), já que privilegiados interesses individuais em detrimento
do interesse coletivo. Na violação à impessoalidade, no entanto, não se exaurem
os efeitos do nepotismo, tendo, ao nosso ver, dimensão mais ampla. Nesta linha,
de forma correlata aos efeitos imediatos do ato, refletidos no injustificável
tratamento diferenciado dos administrados, tem-se o fundamento ético-normativo
por ele violado. Este, por sua vez, poderia ser refletido em três vertentes,
cuja pertinência passaremos a analisar. Para melhor facilitar a compreensão do
tema, será ele direcionado ao provimento dos cargos em comissão, não raras
vezes ocupados por parentes dos responsáveis pela nomeação.
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a solução dos problemas?
II.I. O nepotismo e o princípio
da moralidade
Em um primeiro momento, a conduta
acima mencionada (nomeação de parentes para o provimento de cargos em comissão)
poderia ser considerada como dissonante do princípio da moralidade
administrativa, pois fere o senso comum imaginar que a administração pública
possa ser transformada em um negócio de família. Este argumento, não obstante o
seu acentuado cunho ético, não subsiste por si só. Com efeito, a partir do
momento em que o Constituinte consagrou a existência das funções de confiança e
dos cargos em comissão (5), é tarefa assaz difícil sustentar que os valores que
informam a moralidade administrativa, originários das normas que disciplinam o
ambiente institucional, não autorizam que o agente nomeie um parente no qual
tenha ampla e irrestrita confiança. (6) Note-se que nos referimos à moralidade
administrativa, princípio densificado a partir dos standards de conduta
colhidos no ambiente institucional e inerentes ao bom-administrador. (7)
Situação diversa ocorrerá quando
a nomeação recair sobre pessoa que seja credora do agente público ou cujos
interesses pessoais estiverem diretamente relacionados ao exercício do cargo
para o qual fora nomeado, caminhando em norte contrário a ele. Como exemplo,
podemos mencionar a nomeação do proprietário da maior rede hospitalar privada
do Município para o cargo de Secretário Municipal de Saúde; neste caso, seria
do interesse do Secretário o aprimoramento do atendimento nos hospitais
públicos? Contribuiria ele para o decréscimo de seus próprios lucros? Em
situações como essa, entendemos ser patente a violação à moralidade
administrativa, o que já não ocorre pelo simples fato de o ocupante do cargo
ser parente do agente que o nomeou.
II.II. O nepotismo e o princípio
da legalidade
Buscando contornar o óbice acima
exposto, tem sido comum a edição de normas vedando a nomeação de parentes para
o preenchimento de cargos em comissão. Esse tipo de norma em muito contribui
para a preservação do princípio da moralidade, pois evita que as nomeações
terminem por ser desvirtuadas da satisfação do interesse público e direcionadas
ao atendimento de interesses a ele estranhos. À guisa de ilustração, podem ser
mencionados:
a) o Estatuto dos Servidores da
União (Lei nº 8.112/90), cujo art. 117, VII, veda ao agente "manter sob
sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheira ou
parente até o segundo grau civil";
b) o Regime Jurídico dos
Servidores do Poder Judiciário da União (Lei nº 9.427/96), em seu art. 10, veda
a nomeação de cônjuge, companheiro ou de parentes até o terceiro grau, pelos
membros de tribunais e juízes, a eles vinculados, salvo os servidores ocupantes
de cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias;
c) os arts. 355, § 7º e 357,
parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal restringem a
nomeação de parentes como forma de combate ao nepotismo;
d) o art. 326 do Regimento
Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região veicula comando semelhante;
e) a Lei nº 9.165/95, que
disciplina o funcionalismo no âmbito do Tribunal de Contas da União, também
veicula restrições à nomeação de parentes;
f) o Provimento nº 84/96, da
Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 1º, "veda a contratação de
servidores pela OAB, independente do prazo de duração do pacto laboral,
vinculados por relação de parentesco a Conselheiros Federais, Membros
Honorários Vitalícios, Conselheiros Estaduais ou integrantes de qualquer órgão
deliberativo, assistencial, diretivo ou consultivo da OAB, no âmbito do
Conselho Federal, dos Conselhos Seccionais e das Subseções", acrescendo o
parágrafo primeiro que "a vedação a que se refere o caput desse artigo se aplica
aos cônjuges, companheiros e parentes em linha reta ou na colateral até o
terceiro grau";
g) o art. 4º, parágrafo único, da
Lei Estadual nº 7.451, de 1º de julho de 1991, que criou cargos no quadro do
Tribunal de Justiça de São Paulo e vedou a nomeação, como assistente jurídico,
"de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º
grau, inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de
São Paulo"; e
h) o art. 20, § 5º, da
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação determinada pela
Emenda nº 12/95, estabeleceu restrições à nomeação de parentes no âmbito da
administração direta e indireta dos três Poderes, do Ministério Público e do
Tribunal de Contas.
Existindo vedação legal e sendo
ela descumprida, ter-se-á a violação ao princípio da legalidade e, ipso iure,
um relevante indício da prática de ato de improbidade. (8) Neste caso, tem-se
um impedimento legal ao exercício da função pública, o qual, apesar de
restringir a esfera jurídica dos parentes do agente público, em nada compromete
a isonomia que deve existir entre estes e os demais, isto porque a restrição é
razoável e pontual, evitando que os laços de afinidade terminem por preterir
outros pretendentes quiçá melhor preparados. (9)
A efetividade de normas como
essa, no entanto, pressupõe que tenham amplitude semelhante às da Constituição
gaúcha, o que evitará que colegas do agente contratem os parentes deste e este
os daqueles, conferindo uma aparente legalidade ao ato. É necessário, ainda, que
a matéria seja regida de forma linear e igualitária, alcançando toda a
estrutura administrativa de determinada esfera da Federação, o que evitará
qualquer discriminação dos servidores conforme o Poder ou o órgão perante o
qual atuem.
É de todo aconselhável que a
norma dispense tratamento diferenciado àqueles parentes que, após regular
aprovação em concurso público, sejam ocupantes de cargo efetivo. Em casos tais,
a vedação deve restringir-se à impossibilidade de ocuparem cargos em que
estejam diretamente subordinados ao agente com o qual mantenham o vínculo de
parentesco. Esse entendimento, aliás, foi encampado pelos arts. 355, § 7º e
357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Nessa linha, a Lei Estadual nº
3.899, de 19 de julho de 2002, que dispôs sobre o quadro permanente de serviços
auxiliares do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, estatuiu, em seu
art. 25, que "é vedada a nomeação ou designação para exercer Cargo em
Comissão de cônjuge, companheiro ou parente até o 3º (terceiro) grau,
inclusive, de membros do Ministério Público, salvo se servidor do Quadro
Permanente dos Serviços Auxiliares, caso em que a vedação é restrita à nomeação
ou designação para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade".
Com isto, evita-se que o agente
que ascendeu por méritos próprios ao funcionalismo público deixe de ocupar uma
posição de igualdade em relação aos demais; e, pior, ainda seja penalizado por
ter um parente em posição de superioridade no escalonamento funcional.
II.III. O nepotismo e o desvio de
finalidade
Por derradeiro, o nepotismo
poderá ser associado ao desvio de finalidade, o que demandará a análise do
contexto probatório, diga-se de passagem, nem sempre fácil de ser construído. O
provimento de determinado cargo, ainda que sujeito à subjetividade daquele que
escolherá o seu ocupante, sempre se destinará à consecução de uma atividade de
interesse público.
Assim, é necessário que haja um
perfeito encadeamento entre a natureza do cargo, o agente que o ocupará e a
atividade a ser desenvolvida. Rompido esse elo, ter-se-á o desvio de finalidade
e, normalmente, a paralela violação ao princípio da moralidade. Os exemplos,
aliás, são múltiplos: um cargo que exija o uso das mãos não pode ser ocupado
por quem não as possua; uma pessoa que sequer é alfabetizada não pode ocupar um
cargo que exija conhecimentos técnico-científicos; um adolescente, filho ou
sobrinho de Desembargador, que sequer concluiu o ciclo básico de estudos, não
deve ser nomeado Assessor deste, máxime quando estuda em outro Estado da
Federação (10); etc. Em situações como estas, restará claro que ao nomear um
parente para a ocupação do cargo buscou o agente unicamente beneficiá-lo, já
que suas limitadas aptidões inviabilizavam o exercício das funções inerentes ao
cargo para o qual fora nomeado.
O Superior Tribunal de Justiça
reconheceu a prática do nepotismo na remoção por permuta realizada entre pai e
filha, respectivamente titular de Ofício de Cartório de Imóveis da Capital, em
vias de se aposentar, e Escrivã Distrital, já que, ante a inexperiência desta,
não se verificava a satisfação de qualquer interesse da Justiça em tal permuta,
sendo flagrante que o ato visava à mera satisfação do interesse pessoal dos
envolvidos. (11)
III. À guisa de conclusão
Identificada a aparente
ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população,
devem ser apuradas as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a
razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A
partir da aferição desses elementos, será possível identificar a inadequação do
ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio
de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de
improbidade.
Leia mais: http://jus.com.br/973682-emerson-garcia/publicacoes#ixzz2ybH6XfJQ
O BRASIL CONTRA O NEPOTISMO 03: Nepotismo é LEGAL ou ILEGAL, MORAL ou IMORAL ?
Reviewed by Francisco Júnior
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Um comentário:
A câmara municipal tem como honra deruba o vetor do prefeito contra o nepotismo em são João do cariri
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