OPINIÃO: De Parlamentar à despachante

                                                               Zizo Mamede

A penúltima semana do mês de novembro foi de muito corre-corre em Brasília, não por que estivesse em jogo a votação de qualquer proposta de reforma importante para o país – e reformas não interessam à população que cultua um forte pragmatismo bem ao gosto da maioria dos políticos. É que no final de cada ano, quando da tramitação do projeto de lei orçamentária anual (LOA) do Governo Federal, os gabinetes dos deputados e senadores ficam repletos de prefeitos/as e seus representantes em busca das cobiçadas emendas parlamentares ao orçamento da União.

Da força do hábito e da hipertrofia presidencialista

Visto assim de perto, tudo parece normal no país onde a troca de favores é o expediente mais comum do cotidiano das pessoas comuns e também dos mandatários políticos, passando por empreiteiros etecetera e tal.

Essa tradição cristaliza marcas da nossa cultura política, neste caso, o autoritarismo tão persistente e o pragmatismo de tradição mais recente, que estão impregnados na imensa maioria das pessoas e instituições. O que se quer comumente é que os políticos resolvam rapidamente as demandas que se apresentam. E não é esta uma característica do parlamento. Logo, aos parlamentares cabe o papel de despachantes do poder executivo em todos os níveis.

Por outro lado, temos uma República de presidencialismo institucionalmente hipertrofiado, com recursos públicos concentrados no tesouro da União. Assim, quase todos os estados e municípios da federação se acham na condição de convenentes potenciais com o governo da União – ou seja, quase pedintes. É notória essa condição humilhante dos gestores municipais principalmente.

Visto de longe é uma deturpação

Essa tradição da República Brasileira, onde os deputados e senadores apresentam emendas individuais no orçamento federal - este ano cada parlamentar dispunha de um limite de até 15 milhões de reais – parece ser uma deturpação das funções clássicas do parlamento: debater sobre temas de interesse público, legislar e fiscalizar. Afinal, definir os gastos públicos seria papel exclusivo do poder executivo, mesmo sob o crivo do parlamento. Sem entretanto descer aos miúdos das questões paroquiais.

O que mais se vê em Brasília são deputados e senadores nos gabinetes dos ministros e ministras, batendo de porta em porta abusando e agüentando abusos dos tecnocratas. Afinal, estão mutuamente cumprindo papéis desviados.

Uma porta de entrada para a corrupção

Por mais que a mídia, a serviço dos liberais, insista em interpretar a corrupção como um fenômeno típico das instituições do Estado, este é um crime que sempre é cometido para atender aos interesses privados. E aqui se encaixa um sério problema que afeta a instituição das emendas parlamentares ao orçamento do poder executivo. Aqui, nesta tradição está uma das portas de entrada da corrupção com o dinheiro federal.

Muitos e muitos atos de corrupção no Brasil envolvem prefeitos nessa relação com deputados e senadores. Essa mazela foi revelada de forma contundente no escândalo dos “anões do orçamento” nos idos de 1990. Mas essa porta de entrada nunca foi fechada. O corporativismo dos parlamentares não deixa que essa prática das emendas parlamentares individuais à LOA seja extinta pelo bem do Brasil. – E o parlamentar, por mais correto que seja, se abre mão de apresentar suas emendas individuais, será linchado politicamente

Os avanços e as resistências

Nos últimos anos, algumas coisas mudaram no que diz respeito ao combate à corrupção. Os avanços da Polícia Federal nas investigações desses crimes. A criação ou fortalecimento de instituições de fiscalização e de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU). O papel do Ministério Público.  Os milhares de demissões de servidores públicos corruptos feitas pelo governo Federal. E as campanhas sinceras dos indignados e indignadas com a corrupção.

Mas persistem os elementos que dão sustentação aos corruptos e seus corruptores. As várias brechas da lei que permitem que os crimes de colarinho branco quase sempre fiquem impunes. O financiamento “privado” das campanhas eleitorais, sempre regados com dinheiro público. A lista aberta nas eleições proporcionais, que leva os candidatos/as a se engalfinharem numa corrida inescrupulosa para ver quem chega primeiro, num jogo sujo onde os fins justificam os meios. A tolerância da população com os pequenos atos de corrupção do cotidiano que dão sustentação à grande corrupção. As campanhas hipócritas dos pseudo-moralistas e o denuncismo dos desmamados das tetas do poder, que levam ao descrédito às manifestações pela ética na política, vistas como casuísticas, golpistas da tradição mais udenista.

De despachante à corrupto – é um pulo!

Os parlamentares que têm o chamado voto de opinião - ou seja o voto do eleitorado que está atento as grandes questões nacionais e que sabe distinguir bem qual é o papel do parlamento – priorizam em suas atividades políticas o bom debate, as audiências públicas, os grandes projetos de lei e a fiscalização dos poderes do Estado. Esses políticos não precisam comprar o apoio e prefeitos e vereadores para ter votos.

Mas os parlamentares que não tem o carisma de parlamentar verdadeiro, mas que têm o Congresso Nacional como negócio, estes precisam montar a rede de “pareceiros” para alcançar seus intentos eleitorais. E aí, nem o céu, ou melhor, nem o inferno é limite.

Uma saída

No processo de tramitação do projeto de Lei Orçamentária Federal para 2012 o deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP), relator da proposição, apresentou um mecanismo de emendas que é uma novidade: as propostas de emendas apresentadas pelos municípios de até 50 mil habitantes, após realização de audiência pública entre gestores, vereadores e a comunidade. Se essa experiência prosperar, pode ser um passo importante para uma extinção gradativa das emendas parlamentares individuais.

Outra possibilidade é a transmutação gradativa de emendas individuais em emendas de bancadas. Os deputados e senadores, assim como os prefeitos e prefeitas passariam a pensar para além dos limites de seus redutos eleitorais.

Zizo
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