Eles não são da agricultura
familiar. Também não são do agronegócio. Não produzem coentro nem leite, uma
horta sequer. Posam de fazendeiros quando a circunstância convém. Têm até uma
estética comum: pick-ups, botas, chapelões. São farristas, fanfarrões e bonachões.
Mas não são vocacionados para as atividades agrárias. Apenas usam a agricultura
para colher facilidades de crédito nos bancos. E para gozar de uma áurea
aristocrática que vem da propriedade da terra.
Usam o dinheiro dos empréstimos para tudo – comprar casas na praia, comprar carros e motos para os filhos, desfilar com muitas mulheres e outros exibicionismos – menos para a produção agrícola. Na hora de pagar aos bancos acionam os velhos discursos, as velhas desculpas, as mesmas trapaças: O alegado, e por muito deles desejado, conjunto de sinistros das intempéries fatais.
Mais uma vez, misturando alhos e bugalhos, devedores descarados dos bancos públicos lançam mão da construção histórica da seca para pressionar o Governo Federal pelo “perdão” das dívidas contratadas numa situação alheia aquela dos que são realmente produtores rurais. – Aqui vale até se confundir e ser confundido com mini fundiários e sem-terra.
Um grande número de sertanejos, principalmente de pequenos proprietários – gente que vive da terra e gosta da terra, de planta e de bicho – está arcando com os efeitos de uma longa estiagem, agora associada à destruição da lavoura da palma forrageira pela cochonilha.
Mas há uma minoria que tira proveito do discurso da seca para promover o calote de dívidas que não têm nenhuma relação com o fenômeno da escassez pluviométrica no semiárido. – Tem até gente do litoral fértil e chuvoso posando de sertanejo.
Esses pseudo agricultores vivem nos gabinetes dos políticos ou sob os holofotes de uma mídia descuidada (que não separa o joio do trigo). Fazem muito barulho em nome de muitos. Universalizam em proveito próprio, problemas que afligem de fato quem vive dos riscos da agricultura. São os primeiros nas portas dos bancos com seus projetos mirabolantes. Também são os arautos do logro, do beiço, da finta e da maçada. São os surfistas da seca.
Se aos governos e suas agências (pesquisa, extensão e fomento) cabe estudar e executar medidas para quem, de verdade, tomou prejuízos com a estiagem e a cochonilha do carmim, é imperativo que faça a separação entre os agricultores e os caloteiros. Porque muita gente que pegou dinheiro nos bancos, fez das tripas coração para quitar os débitos, com ou sem estiagem.
Por outro lado não é sequer razoável que os agricultores e todos mais saiam de mais um período de previsível estiagem sem a necessária autocrítica e mea-culpa pelo regadio da cultura da seca. Porque, como lembra muito bem o professor caririzeiro Daniel Duarte, a estiagem é um fenômeno da natureza, enquanto a seca é uma construção antropológica e sociológica. – A seca é obra humana.
A seca é dos mais espertos.
Zizo Mamede
ZIZO MAMEDE: OS SURFISTAS DA SECA
Reviewed by Francisco Júnior
on
09:30
Rating:
Nenhum comentário:
Postar um comentário