Pergunta: O que fazer quando o
Conselho Tutelar recebe a notícia da prática de crime contra criança ou
adolescente?
Resposta: Sempre que o Conselho Tutelar receber a notícia da prática, em
tese, de crime contra criança ou adolescente, deve levar o caso imediatamente
ao Ministério Público (cf. art. 136, inciso IV, do ECA), sem prejuízo de se
prontificar a aplicar, desde logo, medidas de proteção à criança ou adolescente
vítima, bem como realizar um trabalho de orientação aos seus pais ou
responsável. A avaliação acerca da efetiva caracterização ou não do crime cabe
ao Ministério Público, após a devida investigação do fato pela autoridade
policial. A propósito, o Conselho Tutelar não é órgão de segurança
pública, e não lhe cabe a realização do trabalho de investigação policial,
substituindo o papel da polícia judiciária (polícia civil). O que pode fazer é
se prontificar a auxiliar a autoridade policial no acionamento
de determinados serviços municipais que podem intervir desde logo (como
psicólogos e assistentes sociais com atuação junto aos CREAS/CRAS, CAPs e
outros serviços públicos municipais), inclusive para evitar a
"revitimização" da criança ou adolescente, quando da coleta de
provas sobre o ocorrido. Tal intervenção (tanto do Conselho Tutelar
quanto dos referidos profissionais e autoridades que devem intervir no caso),
no entanto, deve invariavelmente ocorrer sob a coordenação da autoridade
policial (ou do Ministério Público), inclusive para evitar prejuízos na coleta
de provas. Vale lembrar que, em casos semelhantes, é preciso proceder com
extrema cautela, diligência e profissionalismo, de modo a, de um lado,
responsabilizar o(s) agente(s) e, de outro, proteger a(s) vítima(s). O próprio
Conselho Tutelar pode (deve), se necessário por intermédio do CMDCA local,
estabelecer um “fluxo” ou “protocolo” de atendimento interinstitucional, de
modo que sejam claramente definidas as providências a serem tomadas quando da
notícia de casos de violência contra crianças e adolescentes, assim como as
responsabilidades de cada um, de modo que o fato seja rapidamente apurado e a
vítima receba o atendimento que se fizer necessário por quem de direito. Em
qualquer caso, é preciso ficar claro que todos os órgãos, serviços e
autoridades co-responsáveis pelo atendimento do caso devem agir em regime de
colaboração. É preciso, em suma, materializar a tão falada “rede de proteção à
criança e ao adolescente”, através da articulação de ações e da integração
operacional entre os órgãos co-responsáveis.
Pergunta: Como fazer quando
são encontrados adolescentes em bares e boates, especialmente consumindo
bebidas alcoólicas?
Resposta:
Consoante anteriormente mencionado, a repressão não deve recair contra as
crianças e adolescentes eventualmente encontrados em estabelecimentos
comerciais em desacordo com a portaria judicial ou mesmo ingerindo bebidas
alcoólicas, mas sim contra os proprietários dos estabelecimentos em que aqueles
se encontram irregularmente e seus prepostos. As crianças e adolescentes
encontradas devem ser convidados - jamais obrigados - a deixar o local (se
necessário, o Conselho Tutelar deve acionar os pais ou responsável, para que
estes se dirijam ao local e apanhem seus filhos - sendo tal intervenção
compatível, inclusive, com o princípio instituído pelo art. 100, par. único,
inciso IX, do ECA). Importante jamais perder de vista que, o Conselho Tutelar
não deve “substituir” o papel dos pais ou responsável, mas orientá-los (e se
necessário deles cobrar) para que exerçam sua autoridade (logicamente, sem usar
de “autoritarismo” e/ou violência). Em qualquer caso, as crianças e
adolescentes encontrados no estabelecimento em desacordo com eventual Portaria
Judicial ou consumindo bebidas alcoólicas devem ser tratados como vítimas
daqueles que permitiram seu acesso indevido ao local ou lhe forneceram as
referidas “drogas lícitas”. Vale lembrar que, para cada criança ou adolescente
encontrada em determinado estabelecimento, em desacordo com a lei ou com eventual
portaria judicial regulamentadora, haverá a prática de uma infração
administrativa distinta (cf. art. 258, do ECA), e o próprio Conselho Tutelar é
parte legítima para ingressar com a ação judicial específica (cf. art. 194, do
ECA). Importante, no entanto, que o Conselho Tutelar exerça um trabalho de
prevenção, orientando os proprietários dos estabelecimentos acerca do contido
na lei e nas portarias judiciais eventualmente expedidas, e sobre as
conseqüências de seu descumprimento. A orientação deve também se estender à
polícia, de modo que esta colabore com a fiscalização dos estabelecimentos e,
quando necessário, atue de forma a reprimir os agentes responsáveis pela
violação dos direitos de crianças e adolescentes.
Pergunta: É papel do Conselho
Tutelar atender os adolescentes sem a Policia Militar na praça? E levar as
crianças com problemas de saúde da escola ao posto de saúde?
Resposta:
Atender adolescentes em situação de vulnerabilidade ou de risco é a função
elementar do Conselho Tutelar, independentemente do horário, do local e do
lugar, seja em espaço público, seja em ambiente privado. Havendo necessidade de
atuação do Conselho Tutelar em local tido como perigoso, em horário noturno, ou
em qualquer situação na qual possa haver risco à integridade física e à
segurança do Conselheiro Tutelar, basta que haja solicitação ou requisição
fundamentada de suporte e apoio da Policia Militar. O transporte da escola para
o posto de saúde deve ser efetuado por ambulância ou veículo adequado para o transporte
de pacientes. Cabe ao Sistema de Saúde (se necessário provocado pelo Conselho
Tutelar, inclusive via CMDCA) disponibilizar os meios necessários à realização
do referido transporte, em condições de salubridade e segurança, devendo
articular ações (cf. art. 86, do ECA) com os Sistemas de Ensino (e as escolas)
para que seja definida a forma como o serviço será acionado.
Pergunta: O
Conselheiro Tutelar candidato à recondução precisa se afastar de suas funções
para concorrer no novo pleito?
Resposta: Salvo
disposição expressa na legislação municipal relativa ao Conselho Tutelar, não
há necessidade de afastamento dos conselheiros candidatos à recondução, como é
a regra para os cargos públicos eletivos em geral (vereadores, deputados,
prefeitos, governadores etc., não precisam se afastar de seus cargos para se
candidatar à reeleição - apenas terão de se afastar se forem concorrer a outro
cargo eletivo diverso). Mesmo se tal disposição existir, aliás, a mesma deve ser
imediatamente revista, pois sua aplicação fatalmente resultará em
situações que na prática inviabilizam o próprio funcionamento do Conselho
Tutelar: quem iria se dispor a assumir a função, por meros dois ou três meses,
durante o período da campanha, máxime quando isto ainda importa em impedimento
à candidatura ao Conselho Tutelar (é de se esperar que, na melhor das
hipóteses, que os suplentes existentes também se candidatem novamente)? O
importante, em qualquer caso, é estabelecer "regras de campanha" (e mesmo
uma espécie de "código de ética" para os candidatos), que venham a
coibir quer o uso da "máquina" do Conselho Tutelar (se é que assim se
pode falar, pois em regra, tal "máquina" não tem qualquer
"apelo" ao eleitor), quer o abuso do poder político, econômico e
mesmo religioso (muito em voga nas eleições gerais). Na página do nosso CAOPCA
na internet temos um modelo de recomendação administrativa sobre as eleições
para o CT que dispõe sobre isto, e inclui a realização de uma reunião com os
candidatos, para fazer com que todos tomem ciência formal de tais "regras
de campanha/código de ética" e se comprometam formalmente a segui-las,
inclusive sob pena de exclusão do certame por violação do requisito da
"idoneidade moral" exigido pelo art. 133, do ECA.
Pergunta: É possível
exigir dos candidatos a membros do Conselho Tutelar requisitos adicionais
àqueles relacionados no art. 133, da Lei nº 8.069/90, como a “experiência na
área da infância”, a “habilitação para conduzir veículo” e a “realização de
prova de conhecimentos sobre o ECA”, de caráter eliminatório?
Resposta: A primeira ponderação a fazer é: Até que ponto é razoável exigir
muitos requisitos dos candidatos a membros do Conselho Tutelar? O art. 133, do
ECA, estabelece de maneira proposital poucos requisitos, pois a idéia foi
permitir a participação do maior número de candidatos possível. É preciso
lembrar que a escolha dos membros do Conselho Tutelar não se dá por concurso
público, mas sim pelo voto dos cidadãos do município, sendo sua função eminentemente
política. Para o exercício de cargos eletivos, não se exigem requisitos
técnicos, e como todos sabem, até mesmo para ser Presidente da República, é
necessário apenas ser alfabetizado. A função de membro do Conselho Tutelar é
tão específica, e tão complexa, que por mais que se exijam mil requisitos,
muito poucos estarão de fato preparados para exercê-la, daí porque o órgão é um
colegiado, composto por representantes da comunidade, pessoas comuns que querem
se dedicar à defesa dos direitos da criança e do adolescente numa perspectiva
mais ampla que o “atendimento” de casos individuais. O legislador não quis que
o órgão fosse composto por “técnicos burocratas”, mas sim por cidadãos
conscientes que iriam lutar, antes de mais nada, pela adequada estruturação do
município, em termos de políticas públicas e programas de atendimento à
população infanto-juvenil. É claro que queremos que os membros do Conselho
Tutelar desempenhem suas atribuições de forma adequada, mas isto se dará não
com a exigência de “mil requisitos” quando de suas candidaturas, mas sim com a
sua “capacitação” (alguns não gostam desta palavra, por isto prefiro chamar de
“formação continuada” ou “qualificação profissional”), além da tomada de
decisões sempre de forma colegiada, evitando assim que eventuais deficiências
“técnicas” de um determinado conselheiro tragam prejuízos à atuação de todo o
órgão, além, é claro de também prejudicar as crianças, adolescentes e famílias
atendidas. É também fundamental que o Conselho Tutelar tenha à sua disposição
uma “equipe técnica interprofissional”, a exemplo do que se exige do próprio
Poder Judiciário (cf. arts. 150 e 151, do ECA), pois muitos dos casos,
especialmente os mais complexos, para serem resolvidos demandarão uma abordagem
técnica interprofissional criteriosa, tanto no “diagnóstico” do problema (ponto
de partida para qualquer “atendimento” que se pretenda eficaz) quanto na
execução das medidas aplicadas. O adequado funcionamento do Conselho Tutelar se
dará muito mais com a mencionada qualificação profissional/formação continuada
e com a colocação à disposição do colegiado de uma equipe técnica
interprofissional (ainda que os profissionais que venha a integrá-la sejam
obtidos junto a outros equipamentos disponíveis junto à “rede de proteção à
criança e ao adolescente” que o município tem o dever de instituir e manter),
do que com a exigência de muitos requisitos dos candidatos, que apenas traz
problemas quando da realização do processo de escolha, pois pode acabar
deixando de fora candidatos que seriam excelentes conselheiros, mas que não
preenchem os requisitos legais (é preciso enfatizar que a exigência de
requisitos adicionais somente pode ser efetuada por lei). A prática tem
demonstrado, aliás, que em muitos municípios cujas leis locais exigem elevados
níveis de escolaridade, prévia experiência no atendimento e crianças e
adolescentes e mesmo outros que são absolutamente irrelevantes para o exercício
da função, o número de candidatos é extremamente reduzido, muitas vezes
insuficiente até mesmo para formar um colegiado, o que por si só acaba
eliminando ou reduzindo o “leque” de escolhas dos eleitores, que se vêem
desestimulados a participar do processo de escolha, prejudicando assim a
mobilização popular que o mesmo poderia deflagrar em torno da causa da infância
e da juventude. O pior é a constatação de que tais requisitos de modo algum
trazem garantias de que o candidato irá exercer a função com mais competência
e, sobretudo, empenho e dedicação do que aqueles que não os possuem, pois a
dita “experiência no atendimento de crianças e adolescentes”, não raro, se
resume a uma atuação em áreas que nada tem a ver com a função de membro do
Conselho Tutelar (tem sido aceito como “experiência” o fato de o candidato ter
sido “comissário de menores”, policial com atuação na Delegacia do Adolescente,
atendente/professor de creche/pré-escola e, num município que não tinha
candidatos suficientes, até o fato de o candidato ser “pai” de duas ou três
crianças...). A exigência de certos requisitos junto aos candidatos (como
conhecimentos de informática), pode ser perfeitamente suprida pelo pessoal de
apoio administrativo que deve ser lotado no Conselho Tutelar, sendo que outros,
como a habilitação para conduzir veículo são mesmo inconstitucionais, por
impedir, de forma injustificável, que deficientes visuais (por exemplo) tenham
acesso à função de conselheiro tutelar. Por fim, a realização de um “teste
seletivo”, de caráter eliminatório, como uma das etapas do processo de escolha
(como se faz em muitos municípios), não é adequada, seja porque, como dito
acima, não estamos diante de um “concurso público” (mas sim diante de um
processo democrático de escolha popular), seja porque, na prática, temos visto
muitos problemas decorrentes de tal sistemática. Com efeito, temos constatado
que há uma tendência de elaborar questões excessivamente complexas e/ou
truncadas, de difícil compreensão e solução (isto quando não ocorrem erros
quando da correção). Como resultado, muito poucos candidatos acabam sendo
“aprovados” nesta etapa, em alguns casos, um número inferior ao necessário à
composição do próprio Conselho Tutelar, o que quando não inviabiliza por
completo o certame (não há como levar adiante um processo de escolha com número
de candidatos inferior a cinco), limita sobremaneira o “leque” de escolhas do
eleitor. Vale lembrar que o Conselho Tutelar é, em última análise, um órgão
político, e os seus integrantes, para todos os fins e efeitos, são considerados
“agentes políticos”, e sua atuação deve ir muito além do simples “atendimento”
de casos individuais (o contido no art. 131, caput e, especialmente, no art.
136, inciso IX, do ECA transmite claramente esta idéia). Mais do que
“conhecimentos teóricos”, é preciso que o membro do Conselho Tutelar seja um
“lutador”, comprometido com a causa da infância e da juventude e disposto a se
“sacrificar” na busca da melhoria das condições de atendimento à população. Não
precisamos que o Conselho Tutelar seja composto por “funcionários públicos
burocratas”, mas sim de pessoas dispostas ao embate político que, muitas vezes,
irá ocorrer, em nome da causa da infância e da juventude. Uma prova de caráter
eliminatório pode selecionar bons “burocratas teóricos”, mas não irá garantir
um bom Conselho Tutelar. Como “alternativa” a um “teste seletivo” de caráter
eliminatório, tem sido proposta a realização de um teste de conhecimento sim,
mas de caráter não eliminatório (embora de realização obrigatória), com a
atribuição não de uma “nota” (de 0 a 10), mas sim de um “conceito” (de A a E -
que fica mais “aberto”), que será amplamente divulgada entre os eleitores. Esta
proposta permite, de um lado, avaliar o grau de conhecimento dos candidatos
(que será importante até mesmo para orientar o futuro curso/programa de
qualificação profissional), sem privar o eleitor de seu “sagrado” e
constitucional direito de escolher os membros de seu Conselho Tutelar. Se o
eleitor quiser votar em um candidato que teve conceito “E”, mas que considera
uma pessoa verdadeiramente comprometida com a causa da infância e da juventude,
é um direito seu assim proceder e, como dito, a Lei Municipal não deve jamais
retirar do eleitor a prerrogativa de escolher os membros de seu Conselho
Tutelar.
Autor:
Murillo José Digiácomo é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do
Paraná, integrante do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e
do Adolescente (CAOPCA/MPPR) e membro da Associação Brasileira de Magistrados e
Promotores de Justiça da Infância e da Juventude - ABMP.
Fone: (41) 3250-4710. PABx: (41) 3250-4000.
E-mail: murilojd@mp.pr.gov.br
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O Conselho Tutelar em perguntas e respostas
Reviewed by Francisco Júnior
on
08:41
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